Família em Movimento

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Uns dias teatro e outros não. O Divino Espectador aproveita-os todos

“Não me importo de vos contar que, em algumas ocasiões, o Senhor me concedeu muitas graças; mas habitualmente ando a contragosto. Sigo o meu plano não porque me agrade, mas porque devo cumpri-lo, por Amor. Mas, Padre, pode-se interpretar uma comédia com Deus? Isso não é uma hipocrisia? Fica tranquilo: chegou para ti o instante de participar numa comédia humana com um espectador divino. Persevera, que o Pai, e o Filho, e o Espírito Santo contemplam a tua comédia; realiza tudo por amor a Deus, para agradar-lhe, ainda que te custe.

Que bonito é ser jogral de Deus! Que belo recitar essa comédia por Amor, com sacrifício, sem nenhuma satisfação pessoal, para agradar ao nosso Pai-Deus, que brinca connosco! Encara o Senhor e confia-lhe: Não tenho vontade nenhuma de me ocupar nisto, mas vou oferecê-lo por ti. E ocupa-te de verdade nesse trabalho, ainda que penses que é uma comédia. Bendita comédia! Eu te garanto: não se trata de hipocrisia, porque os hipócritas precisam de público para as suas pantomimas. Pelo contrário, os espectadores dessa nossa comédia - deixa-me que to repita - são o Pai, o Filho e o Espírito Santo; a Virgem Santíssima e todos os Anjos e Santos do Céu. A nossa vida interior não encerra outro espetáculo a não ser esse: é Cristo que passa quasi in occulto, como em segredo.”


É uma citação do Ponto 152 do livro Amigos de Deus de São Josemaria Escrivá. Assim me sinto tantas vezes. Assim nos sentimos vezes sem conta. Mas a vida não nos é dada para sentir nem tão pouco nos devemos condicionar por sentimentos. Antes por amor.

Amar não é sentir e sentir não é amar, ainda que por vezes ambas se possam cruzar.
Fazemos o que fazemos porque amamos e porque Deus quer que o façamos na nossa condição. 


Não nos pede que façamos apenas se nos sentimos com vontade de fazer ou se estamos bem-dispostos. Quer que façamos o que temos a fazer sem demoras que equivalem a omissões independentemente do estado de espírito.

O meu querido amigo (ainda não é Santo mas caminha) dizia-me ontem que a sua suprema preocupação era agradar ao Espectador Divino. Imediatamente recordei o texto que acima cito.
Efectivamente, somos actores. E Deus ama-nos loucamente assim porque – perdoarão a analogia – as crianças deliciam-se com o palhaço que as diverte e os adultos com os actores que executam perfeitamente o seu papel numa sala de teatro ignorando, na maioria das vezes, qual o estado de alma real da pessoa que encara a personagem.
A vantagem é que Deus conhece o nosso estado de alma e isso ainda nos confere maior mérito. Sabe qual a disposição com que fazemos as coisas. Imagino o nosso Divino Espectador a ver-nos tantas vezes felizes e outras tristes, mas sempre presentes, sempre fiéis.

Aconteça o que acontecer, doa a quem doer, aqui estamos. O meu amigo deixou-me a pensar e percebi as palavras do meu DE na primeira vez que nos cruzámos. Disse-me nesse dia “faça chuva ou sol, quero-o sempre aqui nos dias e nas horas marcadas.” E assim tem sido.

Também em família tem sido assim, meu caro amigo. Tantas e tantas vezes não apetece mas o amor supera as ausências da vontade. E muitas vezes fazemos o que fazemos porque sabemos ser o que tem de ser feito. Omitir conscientemente uma acção seria enganar o nosso próximo e o Espectador Divino não aplaudiria a cena. Em família e em lado algum há lugar à mentira, aliada do inimigo. Somos filhos – filhos!!! – da Verdade e nela queremos permanecer.

São Josemaria escreve que fazemos tantas e tantas vezes muitas comédias. Chama-lhes benditas. Falta vontade. Faltam forças. Não apetece. Chove. Faz frio. Estamos com os nossos. Estamos fora dos nossos. Fazemos Kms. Levantamos cedo e reparamos que outros dormem. Limpamos o que está sujo. Arrumamos e voltamos a arrumar vezes sem conta as mesmas coisas. Levantamo-nos da cama quando a criança acorda sem nada mas acorda... ou estamos presentes quando ela está doente e o sono luta connosco sabendo nós que no dia seguinte há jornada de trabalho; quando os filhos põem a mesa sem vontade deixando na TV os desenhos animados aliciantes ou quando executam uma tarefa pedida pelos pais mesmo que não lhes apeteça; a interajuda no seio da família, convergindo para o bem de todos por amor e com amor. 
Tantas coisas seriam escritas… quando não apetece e fazemos as coisas sem vontade… só o fazemos por amor. Ponto.

O trabalho. Esse trabalho que oferecemos a Deus que tem de ser estudado, pensado e executado. Esse trabalho que demora horas. Esse trabalho que se quer bem feito porque a Deus só podemos oferecer um trabalho digno, bem acabado.

E tantas vezes, já cansados, não apetece nem mais um minuto. Mas então, há o dever. Olhando a cruz (o crucifixo em cima da mesa de trabalho) e tendo a certeza de que é a nossa daquele momento, que nos deve animar.

Deus mira-nos e contempla-nos. Observa-nos. Regista. Atrevemo-nos a dizer que vai dando notas consoante os vários actos. Percebe que estamos em esforço muitas vezes mas que não desistimos como fazem os incautos. E isso agrada-Lhe.

E a contragosto o fazemos, muitas vezes. Que bom não sermos hipócritas por não estarmos permanentemente com um sorriso rasgado na cara como se tivéssemos elásticos presos na boca mas apenas actores de uma comédia humana em que representamos o nosso papel.

E outras vezes não. Estamos verdadeiramente ali, presentes, efectivamente presentes e mergulhados.

Ao fim e ao cabo, olhando este texto e meditando as palavras já escritas, pior seria acomodar e não desinstalar.

Mas estamos. Numa e noutra. Estamos. E isso é importante. Sem actores… não há espectáculo.

Tomara que no fim da peça, haja o aplauso do público. Seria o fim desejado.

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