Quando o relógio indicar 14 horas, façam-me um favor: olhem à vossa volta e registem o que estão a ver.
O retrato não será muito diferente do seguinte: são duas da tarde mas a cidade ainda está no almoço; ainda se come feijoada ou tomate com queijo feta de forma pausada, quase pachorrenta; os grupos de colegas de trabalho que por acaso já acabaram o repasto regressam em ritmo estival ao escritório depois da longa pausa imposta pelo sacramento que é o farto almoço – farto na comida, nas palavras e no tempo desperdiçado.
Mas qual é o problema com este quadro bucólico?
Uma sociedade que retoma o trabalho depois das duas é uma sociedade que só vai sair do trabalho às seis, sete ou mesmo oito da noite. E onde é que ficam os filhos nesta equação?
Não ficam. De resto, ninguém me tira da cabeça que a principal causa da baixíssima taxa de natalidade de Portugal (1,2 filhos por mulher, talvez a mais baixa do mundo) é a forma como organizamos o nosso dia-a-dia.
Deitamo-nos tarde, levantamo-nos tarde, começamos a trabalhar tarde e, como se tudo isto não fosse suficiente, temos o hábito do longo almoço, que não se limita a cortar o ritmo de trabalho, também corta o tempo para os miúdos. Os portugueses almoçam com os colegas de trabalho mas não jantam com os filhos. Ou jantam à pressa. Come-se uma “coisa qualquer” e não há aquela conversa formativa à mesa. Os miúdos, ou melhor, o miúdo fica entregue ao frigorífico e ao tablet.
Um dos efeitos desta cultura almoçarista ficou evidente nesta semana: a obesidade crescente nas nossas crianças. Temos portanto a taxa de natalidade mais baixa da Europa e, como se isso não fosse suficiente, estamos a criar os garotos mais obesos da Europa. Poucos e gordos. Devido ao hábito “cultural” do longo almoço, devido à mania “cultural” de ficar até tarde no trabalho, os pais chegam demasiado tarde a casa, seis e tal, sete, oito, se não for nove. Se houver dinheiro para empregada, o cenário tem remédio, a Dona Amélia, a Svetlana ou a filipina ilegal deixam sopa e comida feita e, durante o dia, foram à fruta. Mas, se não houver dinheiro para criadagem (a maioria dos casos), come-se “qualquer coisa” à pressa. Desta forma, os pais não ensinam as crianças a cozinhar e a comer. E claro que na escola as crianças também não vão à cantina, comem entulho remotamente orgânico no boteco mais próximo.
Acham que isto é um mero pormenor? Não, não é. Quem trabalha ou trabalhou nos EUA ou na Europa percebe logo que está aqui um problema. Na Alemanha, por exemplo, o trabalho acaba no máximo às quatro/cinco horas, porque se começa cedo e porque não se sacraliza o almoço com colegas; sacraliza-se o jantar com a família. Perante esta comparação com a Alemanha, já estou a imaginar a vossa contra-argumentação: dir-me-ão que esta é a nossa cultura, que temos direito ao almoço e à sesta.
Lamento, mas essa é uma argumentação reaccionária. O que é “cultural” e “tradicional” não é sagrado, sobretudo quando é uma causa de morte lenta. O hábito da pausa do almoço e da sesta nasceu numa sociedade patriarcal que atribuía a gestão da casa e dos filhos à mulher, que só podia ser dona de casa; os homens no passado podiam ter longos almoços e ficar a trabalhar até tarde, porque em casa as mulheres tratavam dos filhos e do consequente futuro demográfico da sociedade. Hoje isso já não acontece. Com as mulheres no mercado de trabalho, o longo almoço torna a vida familiar num inferno e atira-nos para o deserto demográfico. Moral da história? Nós não podemos querer sol na eira e chuva no nabal.
Não podemos ser modernos e desejar a mulher no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, não podemos ser reaccionários e desejar um horário de trabalho do patriarca marialva.
Portanto, quando o relógio indicar 20 horas, façam-me por favor. Abram o vidro do carro e perguntem o seguinte ao vizinho do lado aí do engarrafamento: “um almoço de uma hora com colegas de trabalho é assim tão importante? Porque é que a nossa sociedade está organizada em redor do almoço com meros colegas e não em redor do jantar com a nossa família?” Obrigado.
Henrique Raposo em "Nem Ateu, Nem Fariseu" (RR, 19 Maio)
Nos Estados Unidos o tempo de Almoço é de meia hora. O que é o normal nos países do Norte da Europa. Se bem que essa meia hora não dá para uma alimentação equilibrada e por isso só comem plástico. Mas na Dinamarca começam o dia de trabalho ás 8 e saem as 16.
ResponderEliminarOs países do sul da Europa são outro mundo. A Espanha tem a sua Siesta e o comércio reabre as 16. Na Grécia o Almoço vai das 13.30 às 16. Encerram os empregos entre as 19.30 e as 20.30.
Queria saber se a taxa de natalidade é maior na Dinamarca, suecia, Holanda, Noruega etc? Nao me parece
Caro Padre e amigo João Paixão, também não sabemos responder.
EliminarMas sabemos que o que aqui está relatado tem imensa pertinência e o título diz muito daquilo que é o quotidiano das pessoas.
Dedicamos tempo a jantar com os nossos filhos? E se sim, desligamos a televisão ou somos como que hologramas que enchem o estômago presos e focados à caixa colorida?
Os pais falam com os filhos?
Os pais sabem quem são os amigos dos filhos?
Os pais sabem que matérias estão os filhos a leccionar?
Os pais... conhecem os filhos?
Um enorme abraço, um obrigado gigante pelo bom comentário e as melhoras.