Há vinte anos atrás o Padre Pedro, então nosso pároco, fez uma homilia dominical fazendo frente a um título de jornal que intitulava A noite em que Deus dormiu.
Pensamos que na altura havia caído um avião. Passaram muitos anos e não temos, em rigor, essa certeza.
Ontem acompanhámos com preocupação o desenvolvimento das notícias sobre o fogo que havia deflagrado em Pedrógão Grande e concelhos limítrofes. Temos pessoas amigas e muito afecto pelas zonas afectadas que, nos últimos tempos, temos visitado regularmente.
As zonas fotografadas são zonas que passamos algumas vezes por ano. Tudo isto nos toca, tudo isto nos comove, tudo nos fragiliza.
Ontem pela meia noite fizemos um telefonema ao Zé e perguntámos como estava. Disse-nos que via fogo lá ao fundo mas que a aldeia estava, por ora, segura.
Hoje de manhã ligámos a televisão e a aldeia já não estava segura. Ligámos ao Zé e ele disse-nos que o fogo descia devagarinho e que o esperava.
"Seja o que Deus quiser." - disse-nos.
Quando lhe perguntámos se os bombeiros estavam pela zona, respondeu que sim, que os via passar no IC8 da esquerda para a direita e da direita para a esquerda.
Nesse momento pensámos: e não param?
Disse-nos que, coitados, estavam cheios de trabalho e que o fogo a combater era muito disperso.
Disse-nos também que não tinham electricidade. Então respondemos que devíamos desligar a chamada pois se estava a gastar bateria connosco e não tinha electricidade para carregar o telefone mais tarde, mais valia guardar bateria para uma eventual necessidade.
Aquilo de nos dizer que o fogo descia paulatinamente fez-nos lembrar a chegada do pior cenário em lume brando.
Ligámos então para os bombeiros de Figueiró dos Vinhos. A chamada não se fez. As linhas estavam cortadas.
Não vencidos, ligámos para a Protecção Civil e aí passaram a nossa chamada para Leiria. O pai falou então com o comando de Leiria e transmitiu que a aldeia do Zé corria perigo, que os bombeiros passavam e não paravam e que deviam anotar essa aldeia como ponto de intervenção.
Indicámos o nome da aldeia e onde ficava situada.
A senhora dos bombeiros de Leiria foi muito gentil e disse que iria passar a informação a quem estava no posto de comando ao incêndio.
Desculpa-nos Zé, mas não podíamos deixar que esperasses sozinho o fogo. Se era "o que Deus quisesse", talvez Deus nos tenha indicado que o caminho era aquela chamada telefónica.
Não sabemos. Pergunta-Lhe.
Uma hora mais tarde soubemos por familiar que haviam evacuado a zona da aldeia.
Até ao momento morreram mais de sessenta pessoas. Não sabemos e não devemos emitir juízos de valor sobre como foi acautelada e enfrentada a situação. Não podemos falar do que não sabemos e não dominamos. Sabemos que existem muitos mortos, muitos feridos, muita destruição.
Há um ano atrás estávamos naquela zona quando ocorreram fogos muito grandes em todo o país e aquela zona foi, também ela, afectada. Lembram o incêndio em Castanheira de Pêra?
Passou um ano. Não sabemos o que foi feito neste ano que passou, se é que alguma coisa foi feita.
Este ano uma trovoada seca ditou a ignição do incêndio. Os raios desceram ao solo. A PJ encontrou a árvore onde a ignição começou. Acresceram altas temperaturas, ausência de humidade e vento forte.
Sabemos que os soldados da paz fazem muito e estão exaustos. Sabemos que muitas famílias estão destruídas. Sabemos que morreram crianças.
Sabemos que quando escrevemos este texto ainda há muito por fazer. Sabemos que espanhóis e franceses se mobilizaram com portugueses e isso é francamente positivo.
Sabemos que estão distritos em alerta vermelho sem saber o muito bem o que isso significa. Será que nos avisam que está muito calor? Isso saberíamos sem necessidade de um alerta vermelho.
O que gostaríamos é que a situação concreta fosse prevista e tivessem sido poupadas vidas humanas. Se tal era ou não possível, não sabemos.
Seria importante perceber o que aconteceu ontem. Às duas da tarde havia um incêndio deflagrado e só às dez da noite as sirenes tocaram no sentido de que todos os meios fossem para aquela zona. Mas há um espaço muito longo entre as duas da tarde e as dez da noite. O que aconteceu de muito grave? Não sabemos.
Tal como não sabemos do Zé. Ele não não responde aos SMS, mas não ousamos provocar mais desgaste da bateria do seu telemóvel, se ainda a tiver, Julgamo-lo evacuado. Mas não sabemos se a casa onde mora está a salvo ou consumida pelas chamas.
Estamos todos muito tristes e solidários com estas pessoas que muito queremos. Conhecemos a zona e conhecemos algumas pessoas. Pessoas essas que sempre nos receberam bem. Gostamos muito desta zona. Estamos francamente tristes. Os meninos estão em baixo.
No meio disto, o pai lembrou a homilia de há vinte anos atrás. Citou A noite em que Deus dormiu. Depois calou-se. Mais tarde, após reflexão, perguntou em alta voz onde estariam os Anjos da Guarda das vítimas. Perguntou por que não interveio Deus.
Não temos respostas.
Não temos respostas.
Custa-nos muito esta tragédia. E questionamos humildemente o Senhor porque não impediu a mesma; por que não choveu, por exemplo, e por que não impediu o cenário de morte. Nada sabemos.
Rezámos também a Nossa Senhora. O Terço e a Santa Missa de hoje foram oferecidas pelas vítimas mas também com o pedido de que tudo terminasse. Parece-nos tudo em vão cada vez que ligamos a televisão. A situação parece piorar.
Rezámos também a Nossa Senhora. O Terço e a Santa Missa de hoje foram oferecidas pelas vítimas mas também com o pedido de que tudo terminasse. Parece-nos tudo em vão cada vez que ligamos a televisão. A situação parece piorar.
Oh Deus, por que o permitis?
Não sabemos responder. Somos criaturas que colocamos questões ao Criador com toda a liberdade que Ele nos concede. Ele não dormiu. Ele não dorme. Também não está distraído. Mas não nos responde.
Mais não resta que rezar e interceder para que a paz regresse àquelas populações e que os soldados da paz dominem o fogo.
Lembramos os rostos do Zé e das pessoas que costumam privar connosco. Lembramos os rostos de quem está em sofrimento neste momento. E pedimos a Deus que chame a Si todas as almas dos nossos irmãos que perderam a vida e que, por tudo, não permita mais morte, mais destruição.
Gostaríamos muito que os governantes levassem a sério este flagelo anual que teima persistir ano após ano mesmo com mortes.
a) Prevenção;
b) Combate a incêndios;
c) Disponibilidade de meios;
d) Ataque inicial.
Isto sem esquecer o ordenamento florestal e limpeza. Mas de que nos vale falar disso agora quando passaram 12 meses sem saber o que foi feito? Têm de chegar os incêndios para o tema ser assunto?
Agora na TV dizem que a forma como o fogo se propagou podia ter-se evitado se tivesse havido limpeza das matas, se houvesse cuidado e ordenamento, em concreto nos eucaliptais. Outros dizem que o cenário era previsível e que ocorreu uma falha total da nossa protecção civil. Mas... não ocorre que ouvimos estas boas teorias anualmente?
Enfim, os entendidos que emitam pareceres e operacionalizem acções que evitem estas tragédias.
Agora, assim não brincamos Basta!
As nossas orações por quem perdeu a vida.
As nossas orações com as famílias das vítimas.
As nossas orações com as famílias das vítimas.
As nossas orações com as populações de Pedrógão Grande, Avelar, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra.
As nossa orações para com oa bombeiros, heróis deste país ano após ano.
Zé... até já.
Nota: Fotos do Expresso
Nota: Fotos do Expresso
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